A arte de se conectar
Família e Educação
O meu filho não fala comigo! Está-se sempre a escapar…
O meu filho não me ouve e não faz o que tem de fazer.
Lá em casa não conseguimos ter conversas tranquilas ou produtivas ...
As crianças estão cada vez mais percetivas e ligadas. Elas conectam-se naturalmente, não com aquilo que dizemos (e quem já não deu por isso?), mas com aquilo que veem, com aquilo que sentem e com aquilo que facilmente conseguem “ler” sobre aquilo que não é dito, mas pensado. Parece que as crianças do século XXI vêm equipadas com um novo software que lhes permite comunicar de uma forma diferente daquela a que sempre estivemos habituados.
Hoje em dia é mais difícil “enganá-las” com palavras, a menos que elas se deixem levar por interesse próprio. Elas percebem quando estamos a tentar manipulá-las e os nossos esforços mais “clássicos” tornam-se infrutíferos e desgastantes. Rapidamente percebemos que aquilo que resultou connosco quando éramos crianças, já não resulta mais! Algo mudou, mas não sabemos bem o quê, nem o que de melhor podemos fazer. Os miúdos não vieram com manual de instruções!
As crianças e os jovens da atual geração (Geração Z) têm muito mais informação à sua disposição, são mais hábeis na conexão à distância e são mais percetivos em alguns aspetos. Porém, não estão mais preparados, não são mais maduros nem têm a necessária habilidade cognitiva para conseguir lidar com tanta informação e tanta sensação que lhes chega pelos mais variados meios e das mais variadas formas.
Hoje mais do que nunca, as crianças e os jovens necessitam da presença e do apoio atento do adulto para conseguirem lidar com essa pilha de informação e de emoção. Sim, agora que a vida também exige cada vez mais de nós, em que o tempo foge, em que a segurança e a estabilidade social e familiar são horizontes sempre longínquos, estamos ao mesmo tempo a ser chamados para sermos mais conscientes e assertivos nas nossas escolhas e atitudes na educação da geração mais nova. Não está fácil!
Aquilo que funcionou connosco quando éramos crianças, não funciona com os nossos filhos. Nós “virámo-nos” praticamente sozinhos. Ok, mas sejamos honestos … isso teve um preço emocional que muitas vezes evitamos enfrentar e revelar, até para nós mesmos. Será que queremos o mesmo para os nossos filhos? Mesmo agora, e depois de saber que atualmente eles vivem um tempo pleno de desafios em que uma intervenção presente e orientadora do “adulto cuidador” pode ser basilar num crescimento equilibrado e emocionalmente saudável? Verdadeira e certamente, não é isso que desejamos para os nossos os filhos.
“Os meninos não têm querer”! Esta frase que sistematicamente ouvi na minha infância, sempre me irritou profundamente desde a mais tenra idade. A única maneira que encontrei para lidar com ela foi deixar crescer uma raiva dentro de mim, que sempre me levou a responder em surdina: “Quando eu crescer tu vais ver!”. Se cresci? Cresci. Mas não foi bom. Levei muitos anos a descodificar tanta emoção reprimida dentro de mim.
De alguma forma, a tendência geral para menosprezar as opiniões, problemas, sentimentos e emoções das crianças e jovens (simplesmente porque “isso vai passar”), deixa a criança a lidar sozinha com desafios para os quais, segundo a neurociência, ainda não tem desenvolvido os recursos mentais necessários para tal. Os “problemas” das crianças e dos jovens são problemas reais, de pouca dimensão para o adulto, mas de enorme dimensão na perspetiva dessa criança ou jovem. Fazem parte da sua plataforma de aprendizagem e de crescimento, e ignorá-los ou fingir que é normal e que está tudo bem, não ajuda. Por outro lado, aprender a lidar com eles de forma positiva, consciente e deliberada … ajuda. Por isso, qualquer intenção de conexão dos pais com os seus filhos necessitará partir deste pressuposto de respeito pelos sentimentos e emoções que a criança ou o jovem estão a sentir naquele momento, sem desvalorizar ou julgar, mas compreendendo e acolhendo. A password de acesso a uma eficaz conexão com os nossos filhos passa primeiro pelo reconhecimento da sua “dor”.
Então, o QUE é importante para uma boa conexão com as crianças e jovens?
1 - Ter noção que cada família tem a sua especificidade e o seu modo próprio de funcionar. Por isso não existem receitas nem uma solução única que funcione para todas as famílias. Porém existem princípios que podem ajudar os pais a encontrarem a solução que funciona melhor no seu sistema familiar. A coragem de experimentar novas abordagens ou de mudar algo em si próprio, pode impactar muito positivamente a rotina e o ambiente familiar.
2 - Colocar a password de acesso através de uma verdadeira conexão emocional, possibilitando assim uma profunda conexão racional. Para uma conexão eficaz, teremos de ativar as duas em simultâneo. Esse é o caminho para a criança ou o jovem se sentirem parte desse grupo/família.
3 - Ter uma comunicação clara sem escamotear aquilo que verdadeiramente se pensa ou se sente – dar o exemplo ao exprimir os seus próprios problemas ou desafios e as suas próprias emoções, estimula as crianças e os jovens a fazerem o mesmo e evita reações intempestivas ou descontroladas, tão prejudiciais ao bem-estar familiar.
4 - No relacionamento com a criança e/ou jovem, é importante não partir de pressupostos e alimentar uma genuína curiosidade para aceder ao mundo da criança e/ou do jovem. Ou seja, antes de presumir, julgar ou criticar, é melhor perguntar para compreender (e não apenas para sugerir ou mandar).
5 - Não perguntar “porquê” a criança ou o jovem fez o que fez (ela não tem o desenvolvimento neurocerebral para responder!!) nem cobrar coisas do passado. Em contrapartida, focar-se na solução, ser pragmático e partir do momento presente para aquilo que se pretende que aconteça.
6 - Estimular a autorresponsabilidade, levando a criança ou o jovem a perceber o que está a acontecer e o que pode fazer para obter um resultado que sirva melhor os seus desejos, bem como os das outras pessoas.
7 - Manter um diálogo valorativo daquilo que a criança ou o jovem diz, praticando uma escuta que inclua os seus sentimentos e opiniões na solução encontrada e colocada em prática.
8 - Ter uma comunicação auditiva – não explicar ou apenas falar, mas “ouvir com os olhos”, olhando olho no olho e elevando ligeira e suavemente as sobrancelhas como sinal de aceitação, entrega e acolhimento do momento (conexão emocional).
9 - Ter mais foco na dinâmica emocional da relação e não tanto nos detalhes objetivos do conteúdo.
10 - Entrar no mundo da criança ou do jovem partilhando com prazer os seus interesses e participando nas suas brincadeiras e/ou atividades (aumenta a ocitocina, hormona do bem-estar).
11 - Tratar as pessoas do modo que elas gostam ou preferem ser chamadas aumenta a conexão e cria aproximação. Pergunte sempre aos seus alunos ou ao seus filhos como gostariam de ser tratados e chame-os dessa forma.
A conexão entre pais e filhos não acontece apenas "porque sim"! Não obstante e para tal, não precisamos ser pais e/ou educadores perfeitos ou muito populares. Precisamos apenas de ser pais ou educadores conscientes, coerentes ... humanamente falíveis e simplesmente felizes.
Fonte: ICIJ – Programa TeenCoaching - Método GrowCoaching