Aprender ou não aprender (I)
O que eu gostava que a escola ensinasse
Costumo dizer que sou daqueles alunos que nunca mais saem da escola … iniciei aos 5 anos e nunca mais de lá saí … é muito ano (nem vos digo quantos!). A escola é a história da minha vida. Primeiro foi a aprendizagem. Depois o ensino. É cada vez menos a escola do ensino-aprendizagem e mais da aprendizagem-ensino …, pois “ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar” (Esopo).
Constato que, em contexto escolar, se vai acentuando cada vez mais o hiato entre o ensino e a aprendizagem. É imperioso dar a matéria, cumprir o programa, concretizar o planeamento e assinar sumários. É preciso “dar” a lição sem muitas vezes se confirmar se aquilo que se transmitiu foi “recebido” compreendido, assimilado e integrado. E assim o ensino se divorcia cada vez mais da aprendizagem, sem se percecionar que a escola é prioritariamente um lugar de aprendizagem e não tanto de ensino. De que serve ensinar se os alunos não aprendem aquilo que ensinamos?
Na faculdade aprendi que para além do curriculum formal (programa), deveria também ser considerado o currículo verdadeiramente aplicado e curriculum oculto (implícito). Nos dias de hoje, pela sua importância e relevância, uma nova manifestação do curriculum se vem impondo – o CURRICULUM PARALELO - o currículo online, da internet, da conexão com redes sociais e aplicações recreativas. Parece-me que, cada vez mais, pela sua constância e repetição (somos aquilo que fazemos de forma repetida!), existe uma grande tendência para que este tipo de currículo seja estruturante do desenvolvimento infantil e juvenil, correndo o risco do seu impacto superar a influência parental ou escolar.
Mais do que memorizar conhecimento (disponível na internet) é urgente desenvolver capacidades e competências de pensamento crítico e de liderança pessoal, de acesso e pesquisa de informação, de análise e tomada duma decisão deliberada e responsável. Mais do que conteúdos é urgente trabalhar processos, ou seja, não basta dar o “peixe” e já nem sequer basta dar a “cana de pesca” (eles já têm tudo na mão!). É preciso ENSINAR A PESCAR (ou a pensar). Além dos dedos, é preciso aprender a “usar a cabeça”. É preciso aprender a regular emoções. É preciso descobrir aquilo que se quer e depois COMO fazer para lá se chegar. É preciso aprender como usar os recursos (tantos) a nosso favor, PASSO A PASSO …
Olhando a escola, e considerando a força do sistema, tenhamos a coragem de questionar e honestamente responder: O que verdadeiramente a ESCOLA ensina às nossas crianças?
A partir daquilo que observo no dia-dia escolar e da tendência comportamental dos nossos alunos ao longo da sua deambulação pelos vários anos de escolaridade, no meu entender, estas são as 5 lições mais fraturantes:
- A verdade vem da autoridade (os alunos não se sentem ouvidos nem representados na maioria das decisões).
- A inteligência é a capacidade de recordar e repetir da forma esperada e no exato momento em que é solicitado (sem preocupação de aplicabilidade posterior).
- Uma boa memória e a repetição acrítica são recompensadas (ter opinião diferente é cada vez mais arriscado).
- O não-cumprimento é unidirecionalmente punido (sem apelo).
- O conformismo intelectual e social é requerido e gratificado.
Assim é hoje, tal como foi comigo há 40/50 anos atrás. E o que se passou comigo? Levei anos, décadas a DESAPRENDER o que aprendi na escola, a mudar crenças, a abrir-me a outras possibilidades, a confiar mais em mim e nas minhas capacidades, a reencontrar a criatividade e o meu próprio valor … a descobrir a verdadeira pessoa por trás daquela couraça. E contigo, como foi?
A escola deveria educar, preparar, potenciar, desenvolver capacidades, dons e talentos. Devia EDUCAR PELA POSITIVA e não se assistir àquele constante “deita a abaixo” (com as devidas exceções) que nos marca para toda a vida. Deveria levar ao autoconhecimento, à apreciação das qualidades únicas e especiais de cada um, ao reforço dum caminho de desenvolvimento e dum projeto pessoal … sim, desde pequeno, preparando para a vida e para as exigências dos tempos que vivemos … e será que verdadeiramente o faz? E se o fizesse, a escola não seria um lugar bem mais interessante?
Com um currículo longo e desinteressante, o distanciamento das aprendizagens da prática do dia-a-dia é uma das grandes razões pela qual os alunos afirmam gostar da escola (como meio de socialização entre pares), mas não das aulas. É assim há décadas. “A escola é uma seca”. A escola continua uma seca …
Com uma escola pouco apelativa e com os pais mais distantes e distraídos com outras "prioridades", vêm-me à ideia matérias de manifesta utilidade (habilidades básicas de vida) a serem abordadas e aprendidas ao longo dos vários anos de escolaridade:
- Inteligência Emocional (coerência entre pensamento-sentimento-comportamento, empatia)
- Autodeterminação (identificar o seu propósito /objetivos pessoais, estabelecer o seu caminho e criar a sua própria realidade/condição de vida, única e autêntica)
- Autocuidado (saúde física e mental, sono, nutrição, auto valor, autoconfiança, gestão do stress)
- Valores e Relações Interpessoais Saudáveis (interdependência pessoal nos diversos contextos sociais - como desenvolver relações win-win)
- Resolução de Problemas (pensamento crítico, pesquisa e análise de informação, busca de soluções)
- Criatividade e Inovação (valorizar e desenvolver a intuição e arriscar algo diferente)
- Comunicação (como ajustar a comunicação ao outro, como falar em público)
- Inteligência Financeira (economia pessoal)
A aprendizagem de habilidades socio-emocionais certamente aproximaria a escola da vida real e dotaria os alunos de recursos e ferramentas pessoais que os preparariam melhor para os desafios que irão enfrentar na sua vida pós-escolar. Conhecimento é uma coisa. Conhecimento colocado em prática … é outra. Conhecimento colocado em prática de forma adequada às exigências da sociedade do século XXI … é ainda outra.
Na minha visão, o futuro (diria o presente) da escola passa pela nossa capacidade de criar um lugar emocionalmente seguro que valorize a autoexpressão individual. Um lugar de acolhimento e validação pessoal, em que o aluno (ou o professor), antes de o ser … é pessoa, com dons, talentos, dúvidas, fracassos e hesitações. Um lugar de autodescoberta, em que a aprendizagem cognitiva se alicerça em emoções positivas e em que a autorresponsabilidade, autoconfiança e autodeterminação consolidam a formação pessoal/profissional e o sucesso do percurso escolar. Um lugar de suporte mútuo, em que os ganhos de uns são os ganhos de todos, em que a cooperação supera a competição, em que o potencial de entrada se transformou em reais capacidades à saída.
Sonho com um lugar de CONHECIMENTO COLOCADO EM AÇÃO, de forma positiva, empática, respeitadora, construtiva e ecológica. Uma escola onde todos e cada um tem espaço para ser, para saber e fazer, para se expressar e errar, para se descobrir e verdadeiramente APRENDER a ser feliz!