Ensinar a pensar (I)
Educação
Educar não é ensinar as respostas, educar é ensinar a pensar. – Rubem Alves
Sendo mãe e professora, oiço e afirmo vezes sem conta que as crianças/jovens/alunos de hoje “não sabem pensar” e que preferem as respostas fáceis, imediatas e descartáveis. O mundo acelerou e parece não haver tempo para investir em processos de observação, exploração, descoberta, construção e criação do saber.
Vivemos na era do consumo “usa e deita fora” a quase todos os níveis, incluído a nível do conhecimento … e isso, não só impacta a forma como vivemos o nosso dia-a-dia, como a formação da personalidade e o desenvolvimento do cérebro dos mais jovens, pois se hoje lhes damos a solução “oferecida de bandeja”, mais tarde, na sua vida adulta, dificilmente irão procurar, construir e encontrar novas soluções para problemas antigos.
De um modo geral, hoje percecionamos a realidade e os acontecimentos à nossa volta de uma forma rápida, apressada, logico-racional, e tantas vezes sequestrada pela emoção. Embora a criatividade, a flexibilidade, o empreendedorismo sejam qualidades cada vez mais requeridas no atual mercado de trabalho, temos vindo progressivamente a perder a capacidade e a flexibilidade de pensar de forma espontânea, refletida, crítica e criativa.
Tendencialmente, olhamos mais para os outros do que para nós próprios e queixamo-nos que os jovens de hoje não sabem o que querem, que são desprovidos de objetivos de vida e se deixam andar ao “sabor da corrente”.
Afinal, o que está a faltar? Um cérebro capaz de pensar e de atuar critica e deliberadamente sobre a realidade que enfrenta. Este cérebro é um cérebro que não é refém das suas emoções, que reflete e fala sobre sentimentos, que os identifica e compreende, classifica e usa com curiosidade, abertura e sentido crítico, ampliando possibilidades e criando uma liberdade de ser e de fazer de acordo com a sua intenção e/ou objetivo.
Sabemos isto (teoricamente) e vamos desejando que as nossas crianças saibam pensar, sejam autónomas e autodeterminadas, sem, contudo, mudarmos algo na nossa forma de educar que lhes proporcione essa aprendizagem.
Mas, diriam, pensar não é natural? Não nascemos já com essa habilidade inata? Sim e não. Pensar é humanamente natural. Porém, a vontade de pensar de forma reflexiva precisa ser estimulada e ensinada. Muitas vezes esquecemo-nos deste pequeno “pormaior” e partimos erradamente do princípio de que as nossas crianças já “sabem pensar” e que já têm adquirida essa capacidade reflexiva sobre as situações que vivenciam.
“Vais ali para aquele canto pensar sobre o que fizeste!” – sabem o que acontece verdadeiramente naquele canto?
A criança sente-se incompreendida e não percebe porque está ali, pode sentir-se rejeitada e não-amada, culpa-se e classifica-se como “não suficiente” (conseguem rever-se na vossa infância?). Mas, acima de tudo, quer sobreviver e escapar dali. Está envolta numa espiral de emoções e não consegue refletir sobre a situação, desenvolver um pensamento estruturado, crítico e construtivo sobre o ocorrido. Não obstante, o seu cérebro foi desenhado para sobreviver. Ali, naquele canto, a criança vai aprender a se superar, vai aprender a enterrar emoções, a adaptar-se ao que o adulto quer (porque o que mais deseja é ser amada) e vai encontrar a solução: vai fingir que pensou, vai fingir que entendeu, vai fazer e dizer aquilo que sabe e sente que o adulto quer ouvir … porque o que mais quer é ser aceite e sair dali!
Será que assim ajudamos as crianças a desenvolverem a sua neuroplasticidade cerebral, a gerarem novas sinapses, a criarem novos caminhos neurológicos e novas linhas de pensamento que as prepararão para enfrentarem desafios futuros? Será que assim, realmente, as estamos a ensinar a pensar?
A aprendizagem não é apenas um ato de receção e reprodução. A aprendizagem pressupõe apropriação, interpretação e transformação da informação à sua própria maneira, tornando-a disponível a ser usada com sucesso na sua vida. É um processo … que muitas vezes descuramos, apressamos, desvalorizamos. Afinal, também nós tendemos a ir diretos ao resultado imediato e mais fácil.
Em casa ou na escola, ensinar a pensar começa desde que a criança nasce, começa por a ajudar a pensar sobre as suas emoções, a conviver com elas e a agir sobre elas.
Por isso, ensinar a pensar é também desacelerar e saber esperar.
Ensinar a pensar é saber que cada criança é única e que não há crianças iguais. Todas as crianças são importantes da forma que são, o que sente é importante e o que pensa sobre o que sente também é importante.
Ensinar a pensar é facilitar o processo de descoberta e de experimentação, sem apressar a conclusão.
Ensinar a pensar é estimular a participação e ajudar a clarificar cada passo do processo de reflexão, sem saltar etapas.
Ensinar a pensar é questionar em vez de responder, ouvir em vez de sugerir.
Ensinar a pensar é valorizar as propostas, aceitar as sugestões e promover a argumentação.
Ensinar a pensar é dar largas à imaginação, sonhar e inventar de forma divertida.
Ensinar a pensar é promover o trabalho de colaboração e em equipa, afinal “várias cabeças pensam melhor que uma”.
Ensinar a pensar é estimular o diálogo, procurando e explorando diferentes pontos de vista.
Ensinar a pensar é incentivar a reflexão, a análise antecipada de consequências e a tomada de decisão autodeterminada e segura.
Ensinar a pensar é respeitar o ritmo de aprendizagem de cada criança, ressignificando os erros, auxiliando na gestão da frustração e encorajando a persistência.
Ensinar a pensar é estimular a curiosidade, a criatividade, a vontade de descobrir e o gosto de aprender coisas novas.
Ensinar a pensar é saber que respeitar cada passo do entendimento abre um caminho cerebral que, reforçado, se transforma numa autoestrada de pensamento.
Ensinar a pensar é formar pessoas capazes, responsáveis, autónomas e livres.
Mas para isso não podemos ter pressa, querer que todos aprendam ao mesmo ritmo e da mesma forma, e ter hoje os resultados que naturalmente, só surgirão amanhã.
A educação do século XXI necessita ir além da memorização de conhecimento. Hoje em dia existe tanta informação disponível que a capacidade de pensar criticamente se tornou uma ferramenta indispensável para fazer face aos desafios da sociedade atual. A escola e a família estão atualmente a ser chamadas para exercer um novo papel – ENSINAR A PENSAR.
Ser capaz de recolher informação, analisá-la criticamente, resolver problemas e tomar boas decisões são habilidades essenciais já nos dias de hoje. Quando as nossas crianças forem adultas, e para que possam verdadeiramente ser os protagonistas do papel principal das suas vidas, estas habilidades serão certamente ainda mais requeridas.
Já dizia Jean Piaget, o principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram…
A capacidade de pensar e de se autodeterminar é o melhor presente educativo que hoje podemos oferecer às nossas crianças, adultos de amanhã.
Honestamente, já pensaram seriamente sobre isto?