O futuro das nossas crianças somos nós
Educação Positiva
Vivemos um tempo em que é difícil comunicar com as crianças e jovens. Parece que não ouvem os adultos, que a autoridade se desvaneceu, que não ouvem se não se levantar a voz ou sem se impor a mesma regra inúmeras vezes. A mais pequena rotina diária virou uma guerra. E isto acontece demasiadas vezes em casa. Acontece demasiadas vezes na escola.
Onde estamos a falhar com as nossas crianças e jovens? No que a escola está a falhar no desenvolvimento da curiosidade e do gosto por aprender? No que a família está a falhar na edificação de jovens equilibrados e felizes?
As crianças e os jovens estão a ir buscar os valores, a identidade e os códigos de conduta à internet e entre pares. O adulto tem perdido influência e diminuído a sua força como figura de referência, o que tem comprometido o bem-estar e a natural ligação familiar.
Porquê? Porque cada vez mais a sociedade se organiza de forma a que os adultos vivam na correria das suas exigências profissionais e dos seus afazeres de rotina caseira, relegando o tempo de qualidade com os filhos para segundo plano. Nada que não acontecesse desde sempre ... pensamos nós.
Porém, entre aquilo que as crianças e os jovens de hoje desejam e necessitam e aquilo que nós, adultos, valorizamos e/ou lhes proporcionamos, parece existir um desalinhamento que não permite que as nossas crianças cresçam felizes e motivadas para serem os melhores autores da sua própria história.
Ao questionar alguns jovens sobre o que mais os perturba, invariavelmente me referem, o stress e a ansiedade. Causada por quê, pergunto eu. Sobretudo pelas exigências da escola, dos professores, dos pais … pelos adultos, diria eu. Existem referências que indicam que atualmente 20% dos jovens do mundo ocidentalizado sofre de stress ou de ansiedade. Sem darmos por isso, está a nascer uma nova epidemia, ultimamente agravada pela pandemia. Será que queremos ver e agir, ou vamos continuar a esperar que as crianças e os jovens se resolvam sozinhos e se encaixem nas nossas expectativas?
Neste estado de desnorte é bom ter presente que os adultos somos nós, e que é em nós que a mudança tem de começar. O cérebro da criança ou do jovem ainda se encontra em fase de desenvolvimento (que terminará pelos 20/21 anos, ou para alguns autores ainda mais tarde), nomeadamente naquilo que se refere às suas capacidades cognitivas e executivas. Por isso tantas vezes ouvimos dizer que as crianças são “espelhos” ou “esponjas”. Atualmente, na condição de aceleração digital e de circulação massiva de informação, sem a presença e intervenção cuidadosa e atenta do adulto para ajudar a fazer a ligação entre o cérebro límbico/emocional e o cérebro executivo/racional, as crianças de hoje têm muita dificuldade em lidar com tanta emoção e tanto estímulo ao mesmo tempo (no nosso tempo era bem mais fácil).
Contudo, muitos de nós, frequentemente não têm conhecimento deste facto revelado pela neurociência e, na aceleração e no stress do dia-a-dia, partem do princípio que a criança “entende” tudo aquilo que se lhe diz e da forma como se lhe diz e que o jovem “já devia saber” o quer que seja, alimentando expectativas que as nossas palavras serão suficientes para que tudo corra bem. E às vezes são. Outras vezes não. Imensas vezes nos esquecemos de que as palavras podem convencer, mas são os exemplos que arrastam! E assim vamos esperando e desesperando que os mais novos façam aquilo que dizemos e não aquilo que fazemos …
Por isso, tornou-se demasiado importante que os adultos saibam que quando a criança se sente insegura ou triste sem ter quem a acolha ou com quem falar, ao não conseguir lidar com a sua dor, se sente sozinha, desprotegida e tende a se desconectar de quem é, a desacreditar em si mesma e a se refugiar em comportamentos distrativos ou reativos.
É demasiado importante que os adultos saibam que para se educar alguém, primeiro é preciso terminar a sua própria educação, conhecendo-se a si mesmo, compreendendo e identificando a sua própria infância e o modo como lidou com os desafios de então. Perceber verdadeiramente no que acredita e o que aprendeu a esconder dentro de si – o medo, a raiva, a revolta, a frustração, as expectativas goradas e agora recriadas, que tantas vezes não permitem olhar a criança de uma forma clara, mas sim como uma projeção de si mesmo.
É demasiado importante que os adultos saibam que as crianças de hoje são muito diferentes das crianças do século passado e que, embora tenham chegado sem um “Manual de Instruções”, podemos lê-las à luz duma presença plena, sem pressas, de forma atenta, próxima e curiosa, olhos nos olhos, coração no coração.
É demasiado importante que os adultos se lembrem que comportamento gera comportamento, e que, tal como nós tendemos a repetir padrões de relacionamento dos nossos pais e família, também os nossos filhos tenderão a repetir os nossos padrões. Não obstante e mesmo que aparentemente isso não seja evidente e que a estratégia seja diferente, é importante saber que, em cada família, existe uma “lealdade em cadeia” que une pais e filhos.
Por isso é tão importante que cada educador resgate a sua melhor versão, se transforme num incondicional porto-seguro e cuide da coerência entre aquilo que diz e faz … e que o faça não só por amor, mas com amor, pois tem nas suas mãos e à sua responsabilidade um ser vulnerável que carece, mais do que em qualquer outro momento da história da humanidade, da presença e do amor incondicional dos seus pais para se sentir seguro, aceite, compreendido e amado.
E se o fizermos, depressa perceberemos que aquilo que as crianças desejam é sentirem-se ligadas física e emocionalmente, que os pais as aceitem como são e as escutem, que falem com elas e não só para elas, que lhes seja permitido exprimir a sua autenticidade, sem julgamentos e críticas, que confiem nelas, deixando-as tomar decisões, experimentar, errar e aprender pelos seus próprios pés.
Porquê? Porque nascemos para aprender e aprender é a natureza humana. Instintivamente, as crianças querem aprender, querem crescer, querem viver sem medo, querem ser incentivadas e valorizadas … e quando os pais não “têm tempo”, elas irão procurar orientação e validação noutro lugar. E a internet está à mão, as conexões com os seus pares estão digitalmente acessíveis, os jogos e as séries anestesiam o vazio que sentem … E é assim que, sem se dar por isso, o ponto de referência muda. E quando acordamos já existe muito caminho percorrido (ou não percorrido) e o distanciamento está instalado.
Nós somos os adultos! É em nós que a mudança começa. Não podemos esperar que as crianças mudem se nós não nos disponibilizarmos primeiro a conhecer-nos, compreender-nos, aceitar-nos e a amar-nos o suficiente para nos tornarmos conscientes do que verdadeiramente se passa com as nossas crianças e jovens.
O futuro das nossas crianças somos nós!