Quando nos falta a luz
Educação
Temos um país cheio de sol, um excelente clima, uma luz admirável, uma natureza agradável e diversificada … e no entanto, na escola, vejo salas às escuras, persianas corridas, luz artificial ligada, olhos num quadro interativo horas a fio, algumas mochilas em cima da mesa, cabeças deitadas nos braços … e, claro, um grande desapego pela aprendizagem e uma enorme dificuldade em gerir positivamente emoções e relacionamentos. O perfil da geração de hoje não me tranquiliza, preocupa-me. Não por aquilo que lhe podemos criticar, mas por aquilo que NÃO ESTAMOS a fazer por ela.
Somos aquilo que fazemos de forma repetida. Os nossos hábitos formatam o nosso cérebro, instalam formas de pensar e de sentir, criam caminhos neurológicos que nos trazem rotinas e formam a nossa personalidade. Se é assim connosco (adultos), imaginem como será no caso das crianças e jovens, ainda em fase de maturação cerebral. É isso mesmo, é tempo de parar, olhar e refletir, o que estamos a fazer às nossas crianças e jovens?
Passamos demasiado tempo com os olhos nos ecrãs, a fechar a janela para ver melhor a televisão, o quadro interativo, o pc ou telemóvel … é uma escuridão que se instala, horizontes que se reduzem, a vida que anoitece.
Para além dos efeitos diretos e nefastos do uso excessivo de dispositivos digitais recreativos no desenvolvimento infantil e juvenil – alteram o desenvolvimento do cérebro, reduzem a inteligência, afetam o desenvolvimento cognitivo e a capacidade de reflexão, prejudicam a saúde, promovem a obesidade, dificultam o sono, etc. – e dos seus efeitos colaterais de roubarem uma imensidão de tempo (que não pode ser recuperado) a outras atividades indispensavelmente alicerçadas na interação humana e no progresso da linguagem, acresce ainda a enorme tendência para se passar muitas horas do dia com níveis reduzidos de luz natural ou mesmo às escuras.
A luz natural é indispensável ao bom funcionamento do organismo humano, pois, do ponto de vista da saúde física e mental, estimula a produção de serotonina, dopamina e melatonina, hormonas responsáveis pelo bom humor, regulação do ciclo do sono, apetite, energia e motivação. Ou seja, o Sol é o nosso melhor “remédio”.
Tentando fundamentar esta minha preocupação, referem estudos científicos que, os estudantes que têm aulas em salas onde entra muita luz do dia têm melhor rendimento do que aqueles que aprendem com luz artificial. Um estudo realizado nos EUA comparou os resultados dos testes de 21 mil alunos e concluiu que basta haver janelas grandes para a progressão e os resultados escolares serem significativamente melhores.
Neste sentido e no que diz respeito à aprendizagem, a luz do dia funciona como um agente facilitador, não só através da clareza da visão, mas sobretudo através dum bem-estar geral, de um estado desperto e de uma predisposição natural para a aprendizagem, bem como, indiretamente, providenciando fatores de saúde física e mental de alunos e professores.
Para relembrar, a luz do SOL …
MELHORA O HUMOR - O Sol afeta as emoções. A mudança no nível de luminosidade altera a química cerebral e influencia o nosso equilíbrio emocional. E a aprendizagem só acontece quando estamos emocionalmente disponíveis para aprender. Logo, a luz solar afeta diretamente a aprendizagem.
REGULA O SONO - A melatonina, hormona que regula os ciclos do sono é ativada pela alternância entre a luz solar e a falta dela, o que é essencial para o bom funcionamento da digestão, do estado de vigília, do sono, da regulação das células e da temperatura corporal. Ninguém aprende num estado fisiológico de descanso ou sonolento.
FUNCIONAMENTO DO CÉREBRO – A luz do Sol interfere com a circulação cerebral e a falta de vitamina D proveniente da luz solar pode afetar processos cognitivos, tais como capacidade de raciocínio e concentração, memória, retenção de novas informações, etc. Não existirá aprendizagem de qualidade sem uma otimização do funcionamento neurológico e cerebral.
PREVINE A BAIXA VISÃO – Em todo o mundo têm crescido problemas de visão nas crianças, o que se acredita estar relacionado com o uso excessivo de tecnologia e a consequente exposição à luz azul dos ecrãs, mas também com a falta de exposição à luz solar. Para além de outros benefícios, as atividades ao ar livre também exercem um papel importante no desenvolvimento e proteção da capacidade visual das crianças e jovens.
Em salas de aula escuras, a capacidade de atenção dos alunos tem tendência a diminuir, bem como o cansaço, a sonolência, as dores de cabeça e a irritabilidade nos olhos têm tendência a aumentar. Por este motivo, é essencial que não adormeçamos sobre este assunto e que estejamos atentos à luz das nossas salas escolares – as crianças e jovens passam horas e horas sentados, muitas vezes às escuras, o que contraria o principal alicerce do desenvolvimento humano – luz, movimento e alimento. Sem isso, não há nem nunca haverá espaço para a aprendizagem!
Afaste as cortinas, levante as persianas e abra as janelas. Permita que os raios de sol entrem na sala. Diversifique estratégias e ferramentas. Não se renda aos ecrãs. Saia para a rua, leve as crianças ou jovens a passear a pé, chame-lhes a atenção para os pormenores do caminho, dê aulas no exterior. Mantenha as crianças e os jovens despertos e ativos durante o dia. E sobretudo, não permita, de modo algum, que se mantenham acordados à noite, e muito menos, a olhar um ecrã … nunca!
Somos adultos. Somos os responsáveis pela sua saúde física e mental, mas por vezes damos mais atenção ao aspeto físico do que ao mental, esquecendo-nos que estão diretamente ligados um ao outro.
Queremos resultados, mas nem sempre cuidamos dos fatores que os potenciam. Primeiro precisamos de cuidar de quem aprende, criando as condições para que, mais tarde, apareçam os resultados …
Resultados que hoje exigimos, mas não salvaguardámos.
Que a luz não nos falte e ilumine a nossa capacidade de observar e intervir junto desta geração que tento precisa de nós. Não adormeçamos nós também!!