Comunicação Não-Violenta
Educação
Vivemos na era da COMUNICAÇÃO e da interligação. Estar conectado passou a ser imprescindível e um valor essencial da sociedade atual.
Talvez por isso, deveria ser fácil passar a mensagem, deveria ser natural percebermos o que o outro nos quer transmitir … mas não é, pois não? Pelo contrário, assistimos cada vez mais a cenários de comunicação manipulativa, agressiva e pouco empática, a discursos que se transformam em verdadeiras batalhas, a lutas pelo poder, a ofensas espontâneas e conversas desconectadas, como se falássemos muito mais para ganhar e ouvíssemos apenas para contradizer. Na verdade, na maioria das nossas conversas não queremos ouvir, queremos ser ouvidos e principalmente, que o outro concorde connosco. Nos nossos diálogos falta empatia e entendimento, e sobra insatisfação e muita exaustão.
Porém, estar ligado não significa estar conectado. A ligação assegura um canal aberto. A conexão assegura que existe abertura para receber e compreender a mensagem. Pode parecer a mesma coisa, mas não é.
Não há boa comunicação sem primeiro se estabelecer uma relação. E não há relação sem primeiro haver conexão. Para o nosso bem-estar pessoal e social, precisamos de procurar um modo de comunicar que valorize mais aquilo que nos aproxima e nos conecta, abrindo os desejados caminhos de aceitação e entendimento.
Todos sairemos enriquecidos quando os nossos discursos, seja em casa ou na escola, na política ou no trabalho, convergirem para o valor que podemos acrescentar uns aos outros, em vez de sublinharem aquilo que nos afasta e diferencia.
Independentemente da idade, esta vivência é uma aprendizagem para todos nós. Em criança, não fomos formatados para cooperar. Fomos formatados para competir. Por isso, nesta fase do “jogo”, é preciso recolher as cartas da mesa e voltar a dá-las de outra forma. Não é fácil, mas é possível. E sobretudo, hoje que sabemos o que sabemos, hoje que assistimos à violência verbal e física nos mais variados contextos, talvez valha a pena começarmos a pensar em “formatar” as nossas crianças num novo paradigma mais empático, aberto, tolerante e socialmente colaborativo.
Para tal, teremos de começar por nós. Certamente conseguimos identificar várias ocasiões em que reagimos a algo que nos disseram ou fizeram de uma tal forma que, mais tarde, sentimos que poderíamos ter respondido com outras palavras e/ou agido de outra maneira menos impulsiva.
Uma das abordagens que podemos começar a treinar e a praticar com os nossos filhos/alunos é a COMUNICAÇÃO NÃO-VIOLENTA (CNV), a qual, através duma maior consciência empática e compassiva, preconiza o uso de habilidades de linguagem e de escuta ativa que, apesar das diferenças e dificuldades da situação em questão, aproximam as pessoas, facilitam a conexão, fortalecem a relação e aceleram a resolução dum potencial conflito.
A “Comunicação Não-Violenta” foi criada pelo psicólogo Marshall Rosenberg na década de sessenta, sobre a qual o autor escreveu vários livros, tendo-se expandido por mais de sessenta países.
Baseia-se no princípio de que, por trás de todo o comportamento existe sempre uma necessidade humana a ser expressa e ao compreendermos essa necessidade, é mais fácil comunicar com empatia e compaixão. Isto porque são justamente as nossas necessidades básicas que nos unem e conectam, transpondo os conflitos que poderão emergir. No nosso discurso, em vez de focarmos a nossa atenção no comportamento da outra pessoa (filho, aluno, colega, esposo, etc.), se redirecionarmos a nossa atenção para a identificação da necessidade não atendida e “escondida” por trás desse comportamento, conseguiremos melhores índices de satisfação e concordância na nossa vida.
A “comunicação hostil” (representada simbolicamente pelo Chacal) é desconectada, recorre ao medo, limita a liberdade, não reconhece as necessidades alheias e diminui o valor da pessoa. Geralmente inclui:
- Pré-conceitos rígidos, categorização e polarização de opinião (ex: Certo ou errado ou Estás comigo ou contra mim.)
- Julgamentos morais, comparações e excessivas avaliações do comportamento do outro (ex: És sempre o mesmo preguiçoso ou Todos percebem, menos tu).
- Acusação ou desresponsabilização por ações ou pensamentos próprios (ex: Detesto gritar contigo, mas tu não me deixas outra hipótese ou Não acho justo dar-te mais tempo para entregares o trabalho.)
- Reclamações, ameaças ou punições (ex: Se não cumpres, vais ter negativa ou Vou ter de te tirar o telemóvel, caso tenha queixas de ti.)
- Aceleração, reatividade e falta de empatia (ex: Deixa lá, daqui a pouco isso já não é nada. Vai fazer os TPC que isso passa ou Sim, sim, agora estou a fazer isto, depois falamos.)
- Superioridade, conselhos e exigências (ex: Agora vais ter de fazer a dobrar ou Isso não é nada assim. É melhor fazer assim.)
Em contrapartida, uma “Comunicação Não-Violenta” (CNV) (representada simbolicamente pela Girafa) implica:
- Consciência (autoconhecimento) e compreensão de que todas as pessoas têm necessidades únicas que as levam a se comportar de determinada maneira. Antes de aplicar a CNV, é preciso olhar para si mesmo sem julgamentos e identificar as suas próprias forças e fragilidades comunicacionais. “A mudança começa em mim!”
- Linguagem de proximidade – a linguagem tem o poder de unir ou afastar as pessoas, pelo que é essencial saber expressar-se de forma clara, calma, honesta, afetiva e tolerante. Ser honesto consigo mesmo e com os outros requer autenticidade e coragem na aceitação da vulnerabilidade.
- Comunicação Empática – implica saber colocar-se no lugar do outro, conseguindo aceitar e compreender as suas perceções, sentimentos, necessidades e pedidos, bem como saber afirmar-se quando precisa. Saber como PEDIR e como OUVIR é essencial.
- Influência – aceitar que não conseguimos controlar/dominar tudo à nossa volta e que tudo funciona melhor se o poder for partilhado, liderando e influenciando pela positiva.
Benefícios da CNV:
- Fortalece vínculos relacionais e interpessoais.
- Permite percecionar o mundo a partir do ponto de vista do outro e entender possíveis fundamentos das suas atitudes, facilitando a aceitação e compreensão mútua.
- Ajuda a perceber o impacto das nossas ações nas outras pessoas.
- Gera um ambiente acolhedor, criando um espaço seguro para que todos expressem sentimentos e necessidades.
- É um elemento redutor de conflitos e facilitador de consensos.
- Desenvolve a “literacia emocional”, aumentando a eficácia da autorregulação das emoções – previne episódios de agressividade.
- Auxilia na formação de caráter e de valores nas crianças e jovens.
- Desenvolve noções de responsabilidade, cidadania, comunicação e convivência pacífica em escolas/empresas/comunidades.
Como usar a CNV?
A CNV começa por um processo de tomada de consciência interna através dum questionamento ou investigação pessoal: o que está a acontecer (comigo e com o outro), o que se sente e o que se necessita. O discurso desenvolve-se em 4 PASSOS, através dos quais é essencial não saltar etapas e/ou pormenores, evitando a tendência para presumir que o outro sabe aquilo que não lhe dizemos:
1 - OBSERVAR a situação desafiante – Cingir-se a factos e evitar interpretações. Separar aquilo que é um julgamento daquilo que é um facto, evitando conclusões precipitadas que bloqueiam a capacidade percetiva e empática. (ex: É sempre a mesma coisa. Tenho de repetir vezes sem conta para arrumares o quarto ≠ O teu quarto tem roupa espalhada no chão; És sempre o mesmo irresponsável ≠ Há três dias que não te vejo estudar/fazer os TPC). Dica: Não julgar ou analisar factos ou pessoas, sem primeiro recolher toda a informação.
2 - SENTIR – aprender a reconhecer e trabalhar emoções desconfortáveis, identificando quais os sentimentos genuínos (não interpretações) que surgem em consequência da situação observada. É importante que essa expressão não inclua acusações indiretas a outra pessoa, pois a expressão pura de sentimentos aumenta a possibilidade de se ser escutado. (ex: Sinto-me ignorado ≠ Sinto-me triste; Estou farto de te dizer para desligares isso ≠ Sinto-me/fico preocupado quando te vejo tanta hora no telemóvel; Fico zangado porque já tentei tudo contigo ≠ Sinto-me perdido/angustiado quando tento falar contigo e não consigo). Dica: Desenvolver o seu vocabulário de sentimentos para que as suas palavras estejam o mais perto possível da sua verdade e sejam as mais exatas possíveis.
3 - NECESSITAR – exprimir as necessidades não atendidas que estão por trás dessa situação/sentimentos, assumindo a sua responsabilidade (ex: Estou irritado porque tu não arrumaste o teu quarto ≠ Estou irritado porque está na hora de deitar e o teu quarto está desarrumado. Preciso de arrumação para conseguir organizar as coisas para o dia seguinte; Quero que te cales quando falo ≠ Preciso de calma e silêncio quando falo; Esqueces-te sempre de levar o lixo. Nunca me ajudas ≠ Preciso que me ajudes para me sentir mais calma e ter tempo para fazermos outras coisas que gostamos). Dica: Exprimir a necessidade em termos positivos, sem implicar ou cobrar da outra pessoa ou da sua ação.
4 - PEDIR – depois de clarificarmos (para nós e para os outros) aquilo que verdadeiramente necessitamos, podemos fazer um pedido claro e específico, sem julgamento ou acusações, algo negociável que expresse aquilo que se deseja ter no lugar daquilo que está a acontecer – Podes/Podemos … Dica: o pedido é concreto, expresso na positiva e dirige-se concretamente a uma determinada pessoa, referindo-se ao momento presente e não ao passado.
A CNV é um convite para termos conversas corajosas sobre o que sentimos, necessitamos e queremos, o que nem sempre é fácil pois, no “piloto automático” e na correria dos dias em que vamos vivendo, muitas vezes não sabemos bem o que sentimos, nem temos tempo para perceber o que precisamos ou queremos; ou se até o sabemos, temos medo da reação da outra pessoas ou de levar um “não redondo”. E imaginamos, interpretamos, fazemos os nossos “filmes internos”. E reprimimos, reprimimos … até que um dia tudo sai tudo em forma de “tiro”. Cobrar e esperar que os outros adivinhem o que nos vai no coração e na mente é uma opção romanceada, perigosa e injusta nas relações humanas.
A CNV é uma “estrada com dois sentidos”. Do mesmo modo que é importante aprender a EXPRIMIR, também é importante aprender a OUVIR o que o outro observa, sente, necessita e quer, de forma calma, ponderada, aberta e inclusiva, ao longo dos mesmos quatro passos, na busca duma solução em que ambos se revejam e que enriqueça a vida de cada um.
A CNV é um treino que se torna mais eficaz com vontade, determinação, atenção plena e repetição: aprender cada vez mais a dirigir o foco do nosso discurso para o “EU” (Eu observo; Eu sinto; Eu preciso), tendo em consideração e atenção ao “TU” (perceção, sentimentos e necessidades do outro), pode mudar a nossa comunicação e melhorar as nossas relações, com um impacto muito positivo no nosso bem-estar diário. Afinal, quando ninguém quer dominar, todos ganhamos!
Ao princípio poderá parecer difícil, mas comecemos por coisas simples. Por exemplo, ao lidar com uma criança com comportamentos agressivos, o educador (professor ou pai) propõe que a criança comece a utilizar a CNV, substituindo esse comportamento por frases que expressem o que sente sempre que algo que a incomodar, como por exemplo: “Eu sinto raiva quando as pessoas se aproximam muito de mim. Podes dar-me um pouco de espaço, por favor?”. Deste modo, será mais fácil identificar a raiz das frustrações e das necessidades não compreendidas da criança e comunicar com ela de uma forma mais empática e eficaz.
Mas não sejamos puristas-idealistas. Todos nós usamos os dois tipos de linguagem – mais ou menos empática ou hostil – dependo do contexto, do momento, do objetivo, da pressão e do nosso estado emocional.
O convite é para que, cada vez menos recorramos a estilos de comunicação mais rígidos, agressivos ou manipulativos, e possamos a pouco e pouco e conscientemente, escolher comunicar de forma mais respeitadora, conectada e autêntica. Afinal, somos o espelho em que os mais novos se revêm. A escolha é nossa e as nossas crianças agradecem!