Aproximam-se tempos de Natal, amado por uns, odiado por outros.
Desde a fé no Menino Jesus, que colocava a prendinha (a única) no nosso sapatinho, à atual existência do misterioso Pai Natal, ao consumismo exagerado onde gostar é comprar e onde dar se mistura com ter … às luzes que nos apelam ao coração e nos lembram que, para além do espalhafato, existe um Ser em cada um de nós … à vivência e caridade religiosa … à época natalícia de solidariedade com as populações mais negligenciadas … ao tempo familiar de proximidade e partilha (seja do que for) … ao isolamento de quem não passa o Natal em família, ou de quem não festeja ou não acredita no Natal, ou até de quem tem raiva ao Natal e anseia profundamente por um novo ano … ou até ao Natal daqueles que não sabem que o Natal existe e/ou vivem tranquilamente mais um dia na sequência dos dias da sua vida… Tudo isto é Natal!
Contudo, o Natal em si não é nada. É vazio, neutro, indeterminado, indefinido, ilimitado … nós é que fazemos dele aquilo que ele é. Nós é que o definimos e lhe atribuímos forma, tempo, sentido e valor. Tantas vezes ouvimos dizer por aí que “o Natal é quando um homem quiser”… e, no meu entender, esta afirmação parece-me profundamente real. E “eu diria mais”, o Natal é o que o homem quiser!
O Natal é aquilo que fizermos dele. E tudo é possível. Diria até mais, tudo está certo. Tudo é uma escolha pessoal (individual e/ou coletiva), mesmo que assim não pareça … ou mesmo que esta afirmação possa parecer arrogante e só possível duma pessoa que neste momento está confortavelmente sentada na sua casa, com acesso à eletricidade e à internet, e que na sua vida e neste momento, não tem nada mais prioritário para fazer, do que divagar acerca do Natal humano … sim, porque o Natal é uma criação exclusivamente humana, e não nos esqueçamos, apenas e só de alguns humanos.
A vida tem ininteligíveis caminhos e misteriosos modos de se declarar aos nossos olhos e de comunicar connosco. Por vezes, do nada temos uma revelação que nos capta a atenção e que, de algum modo, muda a nossa perspetiva dum ou doutro evento ou situação, abrindo-nos novos pontos de vista sobre aquilo a que, até então, chamávamos realidade. Às vezes estamos à procura dessa descoberta, outras vezes, nem por isso, surgindo-nos do nada. É assim a magnificência da vida que vivemos.
Tenho a desconfiança de que para a Vida é sempre tempo de Natal … é sempre tempo de nos oferecer um presente, seja daqueles que se podem comprar, como seja a garantia das nossas necessidades mais básicas, materiais e afetivas (sim, somos das pessoas mais presenteadas do planeta!), ou dos outros, que sem valor monetário, podem ter um valor incalculável na nossa vida. Mas como no caso de qualquer outro presente, é preciso estar recetivo para o receber, caso contrário, o presente fica com quem, inicialmente, se disponibilizou a oferecê-lo. A escolha é sempre nossa – se aceitamos ou não os presentes que nos dão, sejam eles o que forem ou venham eles de onde vierem. Sejam eles desejados, desafiantes ou inesperados …
Estou convicta de que a Vida não nos dá “presentes envenenados” … simplesmente porque se os “aceitamos” não são envenenados. À primeira vista, até podem ter esse sabor, mas se nos dispusermos e nos abrimos a novos modos de ver, sentir e saborear, se nos atrevermos a ir para além das aparências e procurarmos na sua essência, talvez descubramos alguma lição a aprender ou alguma bênção ali escondida … Os presentes da Vida são os verdadeiros presentes, aqueles que se sentem dentro de nós, que nos tocam o coração, e que por isso, são tão únicos e especiais. Esses sim, indispensáveis e incontornáveis.
Os presentes da Vida sentem-se e vivenciam-se. E o ato de sentir é pessoal, não é forçoso, não tem de ser todo igual, não tem de embarcar naquilo que os outros dizem ou pensam, não tem de nada … só tem de sentir, pois é essa a primeira premissa da nossa existência – a experiência. O pensar vem depois!
Mas o ser humano pensa! Nós pensamos e tantas vezes demais! Então, que ao pensarmos, saibamos usar essa maravilhosa ferramenta para interpretar com e em liberdade de ser … que não nos obriguemos a pensar, a sentir ou a ser aquilo que os outros querem ou pensam que nós devemos sentir, pensar ou ser.
É Natal, e então? O Natal não é obrigatório. O Natal não é real, a não ser que nós decidamos que assim seja, o Natal não existe por si … existe porque eu e tu, e tantos outros tus, decidiram que assim era … e está tudo bem.
Por mim, ainda bem que há Natal. Assim, pelo menos e para alguns de nós, existe um tempo marcado na agenda, em que, de alguma forma, estamos mais disponíveis para sair um pouco da correria desta insana vida que parece ter muita pressa para chegar à meta, e nos lembramos um pouco mais de quem, de algum modo, esteve presente e nos apoiou nesta nossa experiência de vida. Pelo menos nesta época existe algo mais solidário que desperta dentro de nós. Existe uma memória coletiva que é ativada e um vislumbre de compaixão que nos rasga o coração … Se é induzido e temporário? Talvez, mas é certamente uma oportunidade de sermos melhores e mais unos.
Mas para aqueles que escolhem um não-Natal ou que, pelas mais variadas razões, a vida lhes deu uma perspetiva diferente … não viver, não sentir, não pensar Natal … não têm de se sentir mal por isso. Não temos todos de acreditar no mesmo e da mesma forma. Por isso, que o sofrimento não se amplie ou se prolongue, pois … O Natal não é obrigatório. O Natal nem sequer é essencial. O Natal não é indispensável. O Natal nem é real.
O Natal é aquilo que cada um de nós quiser que seja!
O Natal é só o Natal …